São Paulo pulsa 24 horas diárias a atividade humana trabalho. Cidade construída, inventada e mantida pelos trabalhadores.
Cidade síntese das contradições e antagonismos
desse país. Nas ruas de São Paulo, Praça da Sé ao Largo 13 de Maio; de
Parelheiros a Grajaú, Capão Redondo a Itaquera, Pirituba e Brasilândia. De
Cidade Tiradentes se chega ao Cambuci, Estação da Luz, Freguesia do Ó.
São Paulo que pulsa nas indústrias, nas construções, bancos e escritórios a
atividade humana trabalho. Nos ônibus e no Metrô, linha amarela, azul e
vermelha, energias enredadas na malha viária da produção crescente de riquezas
para outrem. Na outra ponta se entrelaçam os interesses especulativos
financeiros e industriais. É o local, nacional e internacional como síntese na
cidade mundo. O sobretrabalho do explorado produz a Paulicéia Desvairada, a
Paulista Centenária dos barões do café e das finanças, a Morumbi das mansões e
palácios. É a mais-valia, é a mais-valia, extraída de centenas de milhares de
operários.
Trabalho por salários distantes, muito distantes da
riqueza acumulada nos bolsos, contas e Bolsa de Valores de poucos. Salários tão
distantes como as periferias quase esquecidas e os Jardins, Morumbi e
condomínios fechados, carros blindados e helicópteros fretados. Cidade que no
trabalho marca um tipo de compasso das arquiteturas e avenidas que se
distanciam e se metamorfoseiam nos sotaques e gírias que se diferenciam; nos
carros importados e coletivos lotados; nas galerias e museus e nas escolas
públicas depauperadas. Cada tijolo plantado, asfalto escorrido, peça produzida
na arte aplicada na matéria-prima. Trabalho humano, energia materializada na
construção da cidade. Trabalho assalariado.
São Paulo se inventa nos rastros do passado no
presente, trabalho de homens e mulheres, migrantes e imigrantes. Eles estão lá
nas imagens de Tarsila, de Segall e Portinari. Já marcam a rebeldia operária de
1917: greve geral. Nos Santos Dias de luta, labuta a memória de luta, sangue e
resistências dos nossos que tombaram. Marcas sob o chão em ossadas ainda não
encontradas dos nossos desaparecidos. É memória de resistência que não concede
aos horrores covardes da miséria, exploração e opressão. Que exige punição a
todos os Paranhos de então e os de hoje.
Cidade negra, mestiça, branca e amarela. É
nordestina, nortista, mineira, sulista. Cidade mais-valia, nos prédios e
construções. Cidade angolana, moçambicana: cidade africana. Cara, corpo e
sangue produzidos na diversidade étnica e regional, em meio ao antagonismo
social. É o batuque, o coco, diz o rap e o funk, é também o pagode. Boliviana
argentina, chilena latino-americana. Cidade portuguesa espanhola, italiana,
alemã. Libanesa, árabe, cidade palestina. Japonesa, coreana, chinesa. Cidade
que não para de trabalhar.
Cidade mais-valia que moe gente feito carne,
tritura até o bagaço, como dizia o Gregório em sua Pernambuco. O Haiti também é
aqui. Populações sem beira nem eira, sem-teto, espalhadas pelos cantos só com
cobertas de jornais. Terra da garoa, dos Demônios, que nas letras imortalizou
hoje a pouco romântica Ipiranga com São João, dos modernistas Oswald e Mario,
da comunista Pagu ao Solano que já dizia nos vieses da cidade “tem gente
com fome, tem gente com fome...”. Que nos espasmos dos prédios abandonados e
vazios, centro histórico, no silêncio da noite vão sendo ocupados, “tem gente
com fome”. Gente largada pelas ruas frias, se juntam famílias, pequenas
bagagens, as tralhas e os cachorros, os filhos. Os tecnocratas empresariais
até já chamam de Nova Luz o que planejaram “revitalizar” no polígono São João,
Ipiranga, Duque de Caxias, Rio Branco, eufemismo para dizer “higienização”,
dito de outro modo, expulsão de populações. Querem continuar a maquiar a Cidade
mais-valia como Cidade Turismo. Mas como dizia o poeta é “pra
inglês ver”, turismo puro travestido de cultura.
Cidade que opera a lógica máxima do Capital e do
lucro: a cidade dos ricos, do turismo cultural e dos negócios; cidade com
níveis de concentração de riquezas produzidas socialmente altíssimos e a eles
se associam a concentração da produção cultural; cidade que impede o acesso da
população ao que ela própria produziu ao longo da sua história. Cidade que
pulsa mais-valia que é velada pela Cidade Vitrine.
Cultura e Políticas
Culturais em São Paulo:
Cidade dos trabalhadores.
Cidade para os trabalhadores
A questão da
Cultura
Na atualidade cultura é entendida como coisa
supérflua, adorno e entretenimento. Genericamente é produto (mercadoria) como
livros, filmes, programas de televisão, ou então serviços comprados como
espetáculo (show) de música, teatro, dança. Nesses casos cultura de massa ou de
entretenimento. Mas tem outra ideia de cultura que ainda hoje é muito difusa
que entende como cultura aquelas pessoas com educação, bons modos e etiquetas.
Nesse caso cultura como “alta cultura”, cultura superior. É a chamada cultura
da distinção.
Cultura é palavra antiga, muito antiga, antes mesmo
do surgimento dos dicionários. Ela vem do latim antigo (colo, colore) e por
muito tempo significou lavrar a terra: fazer brotar da terra o fruto. Por isso
ainda hoje os termos agri-cultura, flori-cultura e outros ligam-se à terra e à
atividade humana de cultivo do solo. Antes de tudo, portanto, cultura é
a ação humana de cultivar algo, fazer brotar, criar, produzir. A palavra
Cultura está associada diretamente à atividade do trabalho. Isso envolve
energia e conhecimento humano acumulado em gerações (o saber fazer) que se
desenvolve na prática cotidiana de gerações anteriores. Um saber fazer que se
enrosca na matéria-prima com a vontade de que dali germine uma produção.
É luta e sacrifício, queda de braço. Pela necessidade premente da
sobrevivência, dar forma e vida ao que antes não existia.
O termo cultura se transformou um pouco,
passou a significar também puericultura, o cultivo das
crianças. Educação realizada sobre as crianças para que elas se tornassem
adultos e cidadãos. Transmissão do que foi acumulado coletivamente pela
experiência, sacrifício e dedicação de gerações anteriores. É a metáfora da
criação material; agora como criação espiritual, isto é, transmissão de valores
morais e conhecimentos para as novas gerações. Sem essa experiência
repassada das conquistas da humanidade não existe sociedade. Por essa razão, desde
muito cedo o que designamos como cultura esteve associada à ideia de memória
(lembrança), linguagem (comunicação e pensamento), educação (transmissão
de valores e conhecimentos) e identidade (sentimento de pertencimento
grupal).
Somente mais tarde, do século XVIII em diante, essa
palavra passou a designar principalmente arte, filosofia, ciência e literatura.
Neste sentido a ideia de cultura associou-se às esferas da produção humana que
possibilitariam a formação intelectual, filosófica e estética dos indivíduos.
Embora limitada à perspectiva liberal e burguesa da época, essa visão combatia
os dogmas e a irracionalidade de crenças e crendices que limitavam a ação
transformadora humana. Ela também foi associada ao belo e ao sublime.
Passou a servir como distinção social para as pessoas que eram “cultas” e
“tinham” cultura. Tinham cultura porque obtinham “educação superior” e
desenvolviam “bons modos” e etiquetas finas. A plebe, como eram considerados os
trabalhadores, não tinha acesso a essa formação educacional considerada
superior, portanto naquela visão aristocrática e burguesa não teriam cultura. O
conceito cultura, portanto, foi separado da atividade humana e do produto que
somente através do trabalho é possível gerar. Constituiu-se como marca de distinção
social. Passou a significar que existiam indivíduos, grupos e classes
sociais (aristocracia e burguesia) que tinham cultura e os outros, classe
trabalhadora, que não tinham. Decorre dessa distinção grandes preconceitos e
discriminações de classe muito acentuados até hoje.
O capitalismo engendrou como cultura um modo de
vida e existência que pauta e regula as nossas vidas cotidianas, as formas de
organizarmos nossos tempos, a maneira de trabalharmos, a maneira de comermos e
dormirmos, os ritmos do nosso dia-a-dia. Tanto no trabalho operário nas
indústrias, na construção civil; como também no trabalho do bancário nos
bancos, do funcionário nos escritórios e dos professores nas escolas. O
trabalhador perde de vista aquilo que produziu; desconhece então que tudo
construído na história é da sua conta porque é a sua classe a produtora.
Passou a ver em seu parceiro de produção seu concorrente e até inimigo. A
cultura do capitalismo gera então o individualismo, a competição, a divisão
dentro da mesma classe! É esse modo e maneira de ser que é reproduzido na
maioria dos programas televisivos – telenovelas, filmes e publicidade -, como
também nas relações de trabalho onde vale para o patrão (o capitalista) o
trabalhador “obediente” e “produtivo” que “não é encrenqueiro”.
O trabalho que gera a riqueza humana gera também a
alienação econômica, ou seja, a riqueza concentrada nas mãos de poucos. Essa
alienação econômica é acompanhada da concentração da cultura intelectual e
estética de alta qualidade, isto é, as criações humanas que permitem o
desenvolvimento de nossas sensibilidades críticas, no plano estético e
filosófico. As criações científicas e artísticas de qualidade aparecem na
sociedade capitalista como possíveis para todos. No entanto, somente uma pequena
parte da sociedade tem o tempo necessário e a possibilidade econômica para ter
acesso às significativas produções culturais produzidas no passado e no
presente pela humanidade. O acesso sistemático e metódico aos conhecimentos
científicos, artísticos e filosóficos é que possibilita inclusive superar
criticamente o já existente. Para a classe trabalhadora e grande parcela
da juventude resta-lhe na sociedade capitalista a chamada “cultura
massificada”.
Na atualidade, cultura é entendida como mercadorias
culturais e serviços culturais especialmente voltados para o entretenimento.
Algo raso para desencanar e remediar que não nos eleva em nossas
sensibilidades, criticidade diante do mundo ou um olhar diferente sobre os
problemas da humanidade. Passou a significar a novela das 9, o
filme alugado na locadora, o CD de tal músico. Virou muito o que se
chama de cultura massificada para fazer rir ou chorar. Especialmente essa
indústria da cultura, que muitos chamam da “economia da cultura” (ou do entretenimento),
que movimenta somas substanciais de dinheiro e é negócio lucrativo. Cultura
enquanto produção artística orientada centralmente para o lucro e o consumo que
rebaixa o caráter de inovação, da experimentação de novas formas poéticas, como
também reitera a mesmice, o preconceito, a homofobia, o machismo, a xenofobia.
No circuito comercial demarcado nas relações sociais capitalistas, essa é a
tendência majoritária.
Cultura não é coisa que se encontra na prateleira
de um supermercado ou na estante de uma livraria, ou na tela de cinema, ou no
espetáculo de teatro ou de dança. Isso é somente o resultado final que se
apresenta como produto cultural. Na sociedade capitalista, para os empresários
cultura é mercadoria!
É necessário afirmar e repetir que cultura é modo
de vida como também são as expressões artísticas, científicas e filosóficas.
Não se limita a meros objetos/mercadorias; são principalmente expressões de
caráter simbólico, subjetivo, valorativo porque envolvem noções difusas do
certo e errado, bonito e feito, justo e injusto, bom e mal etc. que
orientam nossas relações sociais, comportamentos e modos de vida. Por isso
envolvem memória e identidade social porque de maneira constante nos
remetem à tradição de valores, modos de pensar e de fazer. Mas essas expressões
simbólicas difusas não se limitam a reproduzir somente o passado. Envolvem-se
também na criação e transformação. Por essa razão são produzidas e
reproduzidas, mas também inventadas e reinventadas, criadas e transformadas.
Faz parte da vida da classe trabalhadora, ou seja, encontra-se no seu
cotidiano, no seu dia-a-dia, como também das outras classes sociais.
Cultura não é pão e circo! Não é a visão
empresarial que considera Cultura como negócio e/ou mercadoria! Porque Cultura é modo de existência,
invenção e criação, mais do que isso é vontade de mudar. Existência que se
inventa/reinventa/resiste à massificação cotidiana imposta pela reprodução
capitalista, pela alienação do trabalho, pela ideologia do vencedor. A cultura
se apresenta nas expressões que marcam os acordes da viola, as estrofes do
cordel, a rima pesada do rap, o verso fino do poeta. Está na mais íntima
expressão das cores nas artes plásticas, nas galerias e museus, como também nos
viadutos com o grafite. Registra-se em todo Sarau quando reinventa a poética da
Cidade. Está presente nos sons apurados da Orquestra Sinfônica, na métrica
construída na plasticidade do Corpo de Ballet Clássico, na invenção mágica das
imagens do cineasta. Atividade humana, trabalho apurado na matéria prima da
sensibilidade, no domínio técnico de uma linguagem. São expressões que saem da
vida, de modos de vida e de trabalhos, e somente existem em razão da atividade
de milhões e milhões. É o que se cria enquanto se resiste à lógica perversa do
Capital, no bom deboche e escracho, na gíria, no riso sarcástico na sofrida
melodia do ônibus lotado, do Metrô empilhado, do salário apertado e com o xingo
do patrão.
Cultura e políticas
públicas culturais: por que e para quem?
A dimensão da cultura que nos interessa
situa-se no âmbito da construção coletiva e inovadora nas relações sociais e
políticas e que nos põem em contato com novas possibilidades e formas de
fazermos e criarmos o mundo. Perspectivas que nos apontam modos de vida e
existência que não simplesmente reiteram o já dado, a mesmice alienadora. A
cultura e a produção cultural que aqui nos importam são aquelas que nos
indagam, nos questionam, nos projetam para continuamente repensarmos nossos
valores, referências, mesquinharias e individualismos que nos são impostos como
“verdades” desde nossas infâncias por meio da família, escola, igreja, e meios
de comunicação. Questionam aquelas “verdades verdadeiras” que nunca na vida
paramos para questionar e que sempre orientaram nossos comportamentos diante
dos outros. Essas “verdades” são aqueles velhos preconceitos e discriminações
que nem sabemos de onde vem: “homem não chora”, “mulher minha não trabalha”,
“você sabe com quem está falando?”, “que fazer, deus quis assim...”, “nóis é
nóis e o resto é merda...”!!! Velhos preconceitos e discriminações que nos
dividem enquanto trabalhadores, nos separam por valores e ideologias que não
são os nossos.
As políticas
públicas de cultura devem voltar-se centralmente para a constituição
de uma perspectiva crítica e ativa dos indivíduos no processo social,
político e cultural enquanto protagonistas de transformações políticas,
sociais e culturais. Precisam se articular com as políticas públicas municipais
de várias áreas (Educação, Planejamento Urbano, Esporte, Patrimônio Histórico),
como também se apoiar exclusivamente nos recursos públicos, de âmbito
municipal, estadual e federal. Como premissas principais presentes em seus
objetivos encontram-se: (a) constituição de sensibilidades e consciência social
orientada por valores de solidariedade contrapondo-se à degradação social e
cultural decorrentes da mercantilização da vida humana e da cultura da
concorrência e do individualismo presentes massivamente nos meios de
comunicação e cotidianamente incentivadas pela ideologia liberal e capitalista;
(b) questionar e contrapor-se às múltiplas expressões do autoritarismo
presentes na Cidade, ao exemplo das relações e valores orientados pelo
machismo, homofobismo, discriminações e preconceitos contra os grupos
regionais, étnicos e a classe trabalhadora; (c) estimular as
sensibilidades em torno das transformações na vida social como decorrentes da
atividade humana coletiva dos trabalhadores e da juventude; (d) possibilitar
aos grupos e áreas artísticas e culturais e aos grupos emergentes de áreas
artísticas o seu pleno desenvolvimento.
O Estado não é o produtor
de cultura. São os trabalhadores e a juventude protagonistas centrais dos
processos culturais na sociedade, que preservam e recriam continuadamente suas
identidades sociais, reinventam modos de vida e existência, como também
suas expressões artístico-culturais. De acordo com suas forças
e conjunturas políticas resistem coletivamente com suas memórias e tradições de
classe à massificação cultural imposta pela indústria cultural e o lixo dos
meios de comunicação de massa. Mas
cabe ao Estado, no caso à Prefeitura Municipal, ao governo estadual e
federal, possibilitar a dinâmica cultural, por meio do estímulo à
criação, acesso e fruição às múltiplas expressões da cultura, por
meio de recursos orçamentários, funcionários públicos concursados e capacitados
na área e equipamentos culturais. A possibilidade de produção, experimentação,
acesso e fruição das múltiplas produções culturais (artística e científica)
deve garantir aos trabalhadores e juventude amplo acesso gratuito à produção
cultural de ponta existente não somente na Cidade, como também no país e
internacional, clássica e contemporânea.
As prioridades culturais da Cidade devem ser
desenvolvidas com infra-estrutura, recursos humanos e orçamentários públicos
(estatais) e orientadas por ampla e permanente discussão popular nas várias
regiões do município através de Conselhos Locais de Cultura que possibilitem
amplos debates, mapeamento das condições locais, e definições dos eixos prioritários
na região, e que deságuem periodicamente em Congresso Municipal de Cultura
constituído por representantes escolhidos democraticamente em Assembléias dos
Conselhos Locais de Cultura. Do Congresso Municipal de Cultura serão elaboradas
as Diretrizes de um Programa Municipal de Cultura.
O lugar que a Cultura ocupa no país e na cidade de
São Paulo
A Constituição brasileira de 1988, em seu art. 215,
afirma que “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos
culturais e o acesso às fontes da cultura nacional e apoiará e incentivará a
valorização e a difusão das manifestações culturais”, no entanto esse
artigo, no Brasil e no município de São Paulo, é letra morta. Basta examinar o
quadro do Orçamento Geral da União nos últimos anos, para verificar o descaso
com a cultura e suas consequências para a população. Enquanto o governo federal
reservou, em 2011, 45,05% do orçamento para pagamento de juros e amortizações
da dívida, coube minguados 0,04% à Cultura. Examinando os dados, vemos que o valor
reservado para a Cultura vem diminuindo enquanto o destinado ao pagamento de
juros e amortizações da dívida vem crescendo progressivamente. Não precisa ser
nenhum especialista, para perceber que os recursos para o pagamento da dívida
estão sendo retirados das áreas sociais e, especialmente, da Cultura.
Relação recursos federais para Cultura e
pagamento da dívida pública[1]
Ano
|
Porcentagem
reservada ao
pagamento
de juros e
amortizações
da dívida
|
Porcentagem reservada à
Cultura
|
2008
|
30,57%
|
0,06%
|
2009
|
35,57%
|
0,06%
|
2010
|
44,93%
|
0,06%
|
2011
|
45,05%
|
0,04%
|
Fonte: Auditoria Cidadã da Dívida
A reduzida verba é responsável pela
desastrosa situação da Cultura no país, conforme dados fornecidos pelo IBGE em
pesquisa sobre o tema publicada em 2007 e realizada em 5.564 municípios
brasileiros:
Situação dos
equipamentos culturais no país[2]
Porcentagem
|
Situação
dos municípios no Brasil
|
10%
|
não têm uma biblioteca
pública
|
76%
|
não têm nem um centro
cultural
|
79%
|
não têm nem um teatro ou
sala de espetáculos
|
92%
|
não têm uma única sala de
cinema
|
42%
|
declararam não ter uma
política cultural definida e apenas 5,6% dos municípios têm uma legislação própria de incentivo à Cultura.
|
Fonte: IBGE.
Em contrapartida, a TV aberta cobre 95,2% dos
municípios brasileiros. A falta de espaços culturais deixa os
trabalhadores reféns dos programas da TV aberta, cuja programação se restringe
a novelas que veiculam valores, modelos e costumes típicos da sociedade de
consumo; a jogos de futebol e seus desdobramentos, cuja função se esgota no
entretenimento; a programas humorísticos, cuja tônica é o preconceito; a
programas como Silvio Santos, Big Brother, etc. que procuram alimentar a ilusão
de ascensão social por intermédio da sorte; a programas sensacionalistas, em que
os apresentadores se comportam como defensores da população quer na esfera da
segurança, como Ratinho, quer na esfera do consumo, como Russomano; mas que, na
verdade, funcionam como verdadeiras plataformas eleitorais; em síntese, uma
programação voltada para o cultivo de valores, preconceitos e ilusões que
constituem o processo de alienação.
Essa situação tende a se agravar, pois a população
sofrendo com problemas crônicos de emprego, saúde, educação, transporte,
habitação, entre outros, mal consegue se organizar para reivindicar os bens
culturais a que tem direito. A única resistência vem de alguns heroicos setores
artísticos que, ano após ano, denunciam a falta de verbas para a área.”
As leis de incentivo – um capítulo à parte
Se, por um lado, o pagamento da dívida é o grande
responsável pela irrisória verba destinada à Cultura; por outro, as leis de
incentivos fiscais excluem os trabalhadores do acesso à produção cultural da
cidade.
Iniciadas no governo Sarney, as leis de
incentivo fiscal foram introduzidas à medida que diminuía a aplicação de
recursos públicos diretos na área. Elas permitem que, no âmbito federal,
estadual e municipal, empresas ou pessoas físicas abatam integralmente ou
parcialmente, nos impostos, valores destinados a apoiar projetos culturais. Os
recursos financeiros oriundos de renúncias de receitas fiscais, na esfera
federal, são: Lei Rouanet (Lei nº 8.313/1991), Lei do Audiovisual (Lei nº
8.685/1993), Medida Provisória nº 2.228-1/2001.
A Lei Rouanet e os demais dispositivos legais
nas mãos das grandes multinacionais e das indústrias nacionais significam
isenção de impostos para aplicação em propaganda, ou seja, os contribuintes –
pessoas jurídicas – podem “abater no imposto de renda até 30% ou 40%
de valores alocados em projetos culturais sob a forma de patrocínio ou doação”.
As empresas deixam de pagar impostos e o utilizam na divulgação de sua marca.
Além disso, é prerrogativa das empresas escolher os projetos que serão
patrocinados, o que introduz um elemento perverso no meio artístico: os agentes
culturais devem se dobrar aos critérios dos patrocinadores. Em outras palavras,
o setor privado define o perfil dos projetos culturais. Não é preciso dizer
que, como resultado dessa prática, temos inúmeros projetos vinculados à indústria
cultural de massa e ínfimos projetos consequentes.
No município, a situação não é diferente. A
Lei Municipal nº 10.923/1990 deixa claro como o “empreendedor” poderá abater o
pagamento de impostos:
“Art.
1° - Fica instituído, no âmbito do Município de São Paulo, incentivo
fiscal para a realização de projetos culturais, a ser concedido a pessoa física
ou jurídica domiciliada no Município. 1° - O incentivo fiscal referido no
"caput " deste artigo corresponderá ao recebimento, por parte do
empreendedor de qualquer projeto cultural no Município, seja através de doação,
patrocínio ou investimento, de certificados expedidos pelo Poder Público,
correspondentes ao valor do incentivo autorizado pelo Executivo. 2° - Os
portadores dos certificados poderão utilizá-los para pagamento dos impostos
sobre serviços de qualquer natureza - ISS e sobre a propriedade predial e
territorial urbana _ IPTU, até o limite de 20% (vinte por cento) do valor
devido a cada incidência dos tributos.”
O estudo de Maria Aparecida Alves, “As implicações
das leis de incentivo à cultura sobre o processo de produção dos espetáculos no
Theatro Municipal de São Paulo”, fornece dados relevantes quanto ao montante de
recursos captados pela Lei Rouanet entre 1993 e 2008:
Gráfico 1 – Evolução do volume de recursos captados através da Lei Rouanet entre 1993 e 2008.
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do
Ministério da Cultura (Brasil, 2009).
As chamadas “leis de incentivo” são, pois, suporte
da privatização indireta da Cultura. São mecanismos sofisticados de
transferência do dinheiro público para as empresas privadas, que passam assim a
gerenciar os “negócios da arte”. As empresas privadas “investem” na arte –
organizam megaeventos, sobretudo – e abatem do montante envolvido parte dos
impostos. Não é raro o superfaturamento nessas transações milionárias, sem
contar o retorno de mídia para essas empresas, que passam a se intitular, com o
apoio do governo, de “empresa amiga da cultura”. A classe trabalhadora, por sua
vez, é a grande prejudicada, porque a arrecadação de impostos que poderiam ser
aplicados em áreas sociais diminui e, ela não pode usufruir dos produtos
culturais oferecidos dado o preço dos ingressos.
Programa Municipal de Fomento – É preciso avançar
O Programa de Fomento ao Teatro no Município resultou
diretamente das mobilizações e da luta política dos artistas, especialmente
teatrais, e ganhou a rubrica de Programa Municipal de Fomento ao Teatro para a
Cidade de São Paulo (Lei 13.279/2002).
O início das mobilizações situa-se em 1999, em reuniões com grupos
teatrais, atores e intelectuais ligados à área cultural. A partir de então foi
produzido o primeiro Manifesto Arte Contra a Barbárie, que se contrapunha à
mercantilização da cultura. O contexto
histórico, no caso de São Paulo, é de grande mal estar sobre os destinos
culturais da cidade, as dificuldades de sobrevivência de artistas e grupos
teatrais.
A pauta central baseou-se na reivindicação de fomento para a cultura e
na crítica à concepção de cultura como mercadoria. Em 2002 é aprovada a Lei
tendo como eixos importantes: destinação de verba anual de R$ 6 milhões para
até 30 grupos teatrais escolhidos por comissão julgadora; contrapartida social;
trabalhos em continuidade com pesquisa etc. Em 2005, com a eleição de Serra,
ocorreu uma tentativa de barrar essa lei de fomento, considerando-a
inconstitucional. Novamente, os artistas teatrais e grupos mobilizam-se e
conseguem nova vitória.
Muitos pesquisadores, artistas e grupos teatrais consideram que essa lei
foi uma vitória para a categoria e permitiu mudar o cenário cultural de São
Paulo:
1º) Foi possível a partir de então estabelecer
e estabilizar muitos grupos teatrais importantes que vinham emergindo no
cenário teatral dos anos 1980 e 1990.
2º)
Possibilitou o desenvolvimento da atividade de pesquisa de linguagem teatral,
experimentação de dramaturgias, e desenvolvimento contínuo do trabalho
coletivo, além é claro de possibilitar apresentação dos trabalhos com ingressos
relativamente “baratos” e em circuitos relativamente distantes do centro;
3º) Esse
novo cenário podemos observá-lo em regiões centrais de São Paulo, Praça
Roosevelt, Rua Teodoro Baima, Av. Consolação, onde se localizaram diversos
teatros de grupo: Parlapatões, Ivo 64, Teatro Fábrica/Coletivo, Teatro Arena e
outros. Desse conjunto de produções, alguns grupos sobressaem-se em termos de
apuramento de linguagem, experiências dramatúrgicas inéditas no teatro
brasileiro, além do desenvolvimento de uma proposta teatral dialética e com
profundo domínio da perspectiva brechtiana. Sem essas condições de apoio ao
teatro, não haveria condições desses grupos desenvolverem trabalho de ponta em
sua área.
Mas nem tudo são flores. São trinta projetos escolhidos , em dois
editais anuais. De acordo com o estudo de Iná Camargo e Doberto Carvalho (A
luta dos grupos teatrais de São Paulo por políticas públicas para a cultura.
Cooperativa Paulista de Teatro, 2008),
nos trezes editais realizados entre 2002 e 2008, foram contemplados com o
fomento 192 projetos (93 núcleos artísticos) do total de 1296 projetos
inscritos!! Em dados que levantamos recentemente verificamos que esse funil é
contínuo. No 18º Edital, primeiro semestre de 2011, foram apresentados 69
projetos e selecionados 19 projetos.
Por outro lado, a Comissão Julgadora composta por 07 integrantes é
constituída com a indicação direta de 04 membros pelo Secretário da Cultura e
03 indicados pela categoria profissional: “quatro membros nomeados pelo
Secretário Municipal de Cultura, que indicará, dentre eles, o Presidente”,
“três membros escolhidos por meio de votação dentre os constantes de lista
indicativa com até seis nomes, apresentada por entidades de caráter
representativo em teatro, de autores, artistas, técnicos, críticos, produtores,
grupos ou empresários teatrais” (vide 19ª edital, 2011). Isso possivelmente
trouxe distorções acentuadas na escolha dos projetos. Ainda assim, a categoria
teatral parece considerar que essa Lei foi uma grande vitória para a categoria.
As outras Leis de Fomento no Município tiveram gêneses distintas da do
teatro. A Lei de Fomento à Dança (Lei 14071/05) não resulta de mobilização da
categoria, mas de apelos, reivindicações pontuais junto ao então prefeito José
Serra e vereadores. É qualitativamente diferente sua constituição. Nela não
está destinada uma verba orçamentária para a área. O Fomento ao Cinema, por sua
vez, não tem uma legislação específica no município, ficando ao “deus dará” das
migalhas palacianas.
Por fim, o fomento intitulado “Programa para a Valorização de
Iniciativas à Cultura” (VAI) cabe rapidamente descrevê-lo. Criado pela Lei
Municipal nº 13.540/03 e regulamentado pelo Decreto nº 43.823/03, objetiva
atingir as iniciativas culturais de jovens de baixa renda, entre 18 e 29 anos,
e moradores de regiões da cidade com deficiência no acesso aos equipamentos
culturais. Essa Lei não está vinculada a um recurso anual específico, pois os
valores sempre estão sujeitos a alterações, “conforme disponibilidade
orçamentária”. Os editais são anuais. Se pegarmos o 9º Edital, de 2012, os
valores estimados para o edital são de R$ 3.
100.000,00. Cada projeto pode obter o valor máximo de R$ 23.000,00 para ser
executado em prazo máximo de 8 meses no ano vigente. Cerca de 140 projetos são
aprovados anualmente.
Supondo que o grupo consiga fechar adequadamente o projeto, com todo o
rigor metodológico exigido pela Secretaria de Cultura, cabe ser aprovado pela
Comissão Julgadora constituída por 16 membros indicados pelo Secretário da
Cultura. Como é apresentado no 9º Edital (2012), “será nomeada pelo Secretário
Municipal da Cultura uma comissão de avaliação de Propostas formada por 16
(dezesseis) membros titulares, sendo 8 membros do governo e 8 integrantes de
organizações da sociedade civil com atuação cultural, convidados pelo
Secretário Municipal de Cultura”.
Tudo isso nos leva a crer que, numa cidade de mais de 11 milhões de
habitantes, as iniciativas de fomento à Cultura estão muito aquém da
necessidade.
A cultura pela cidade de São Paulo
A situação cultural no município segue caminho
semelhante ao que esboçamos sobre o país. Na capital paulistana certamente
concentram-se as principais instituições culturais privadas do país, como
também é um município privilegiado em recursos e incentivos culturais estatais
(federal, estadual e municipal) por meio da “renúncia fiscal”, que comentamos
anteriormente. A Prefeitura orienta-se especialmente na concepção da cidade
como polo turístico; essa concepção articula os recursos orçamentários e as
políticas culturais principalmente para a perspectiva de serviços. Como
verificaremos tal concepção acentua sérias distorções estruturais na área
Cultural.
O maior orçamento, entre os municípios do Brasil,
não garante situação privilegiada para políticas culturais voltadas para os
trabalhadores e seus familiares que demograficamente concentram-se nas regiões
periféricas do município. Ao contrário, examinando os valores reservados para a
área, vemos que eles diminuem ano a ano.
Ano
|
Total
da Receita
Valores
(%)
|
Secretaria
de Cultura
|
Outros
Fundos ligados
|
2007
|
21.512.767.223 (100%)
|
233.984.850 (1,08%)
|
11.578.524 (0,53%)
|
2008
|
25.284.792.148 (100%)
|
302.567.860 (1,19%)
|
16.426.352 (0,65%)
|
2009
|
27.506.290.062 (100%)
|
297.539.291 (1,08%)
|
17.941.251 (0,65%)
|
2010
|
27.897.832.339 (100%)
|
302.514.581(1,08%)
|
5.230.000
(0,19%)
|
2011
|
35.662.810.875 (100%)
|
337.233.019 (0,94%)
|
11.816.000 (0,33%)
|
2012
|
38.734.598.114 (100%)
|
292.438.342 (0,75%)
|
8.349.000 (0,21%)
|
Fonte: Lei de
Orçamento Anual -
Verificamos
que o Orçamento Anual do Município tendencialmente tem crescido entre 2007 e
2012, embora a Receita para a Área da Cultura siga uma trajetória inversa. Em
2012 significou 0,75% do orçamento geral do município.
Como na instância
federal, a verba da Cultura diminui enquanto a destinada à
Terceirização/Dívida/Transferências cresce significativamente. Comparando os
dados de 2011 e 2012 em bilhões de reais, percebe-se que a verba destinada à
Cultura está muito aquém das demais de Investimento Social e anos luz da
reservada para a Terceirização/Dívida/Transferências:
Distribuição de recursos*
entre áreas sociais Educação, Saúde e Cultura
SETOR
|
2011
|
2012*
|
EDUCAÇÃO
|
7.028
|
7.307
|
SAÚDE
|
5.883
|
5.599
|
CULTURA
|
455
|
292
|
TERCEIRIZAÇÃO/
DÍVIDA/TRANSFERÊNCIAS
|
16.013
|
18.763
|
Fonte: Relatórios Anuais da Prefeitura de São
Paulo.
*Conforme dados da Lei Orçamentária de 2012
A reduzida verba para a Área Cultural
concorre para uma profunda concentração e distorção na Cidade de São Paulo. É
produzida estruturalmente uma concentração dos equipamentos culturais nas
regiões centrais do município, em detrimento das regiões periféricas da
cidade. Dos 96 distritos da Capital, agrupados em 31 subprefeituras, a
maior parte não tem equipamentos culturais, conforme quadro elaborado a
partir dos dados fornecidos pela Secretaria Municipal de Cultura em 2009 e
publicados pela Rede Nossa São Paulo em 2010:
Porcentagem dos
distritos
|
Indicadores
culturais
|
61% dos distritos
|
não têm Centros
Culturais, espaços e casas de cultura
|
61%
|
não têm cinemas
|
74%
|
não têm museus
|
56%
|
não têm teatros
|
54%
|
não têm salas de show e
de concerto
|
44%
|
não têm pontos de cultura
|
Fonte: Rede Nossa São Paulo
Acresce-se a isso outro
elemento importante. Com a reduzida verba, a Secretaria de Cultura responde por
pequena parte dos equipamentos culturais (15,38%), enquanto a maior parte está
nas mãos da iniciativa privada (76,64%). Para se ter uma ideia dos equipamentos
culturais disponíveis no município de São Paulo recorremos ao quadro elaborado
pela Sempla e publicado na série Município em Mapas. Ainda que haja alguma
defasagem, pois a publicação é de 2006, o quadro permite verificar que a rede
particular detém a maioria das salas de cinema, teatro, galerias de arte e
espaços para espetáculos musicais e teatrais, situação que se mantém até hoje:
CATEGORIAS
|
REDE
MUNICIPAL
|
REDE
PARTICULAR
|
OUTRAS
REDES
(ESTADUAL
E FEDERAL)
|
TOTAL
|
Bibliotecas
Infanto-Juvenis
|
37
|
0
|
0
|
37
|
Bibliotecas Públicas*
|
57
|
3
|
60
|
|
Centros Culturais,
Casas de Cultura,
Espaços Culturais
|
19
|
38
|
14
|
71
|
Galerias de Arte
|
4
|
148
|
5
|
157
|
Museus
|
17
|
45
|
45
|
107
|
Salas de Cinema
|
2
|
279
|
2
|
283
|
Salas de Teatro
|
16
|
180
|
17
|
213
|
Teatro
e Cinema nos
CEUs
|
21
|
0
|
0
|
21
|
Salas e Espaços para Espetáculos Musicais
e Teatrais
|
9
|
242
|
11
|
262
|
Unidades Especiais da PMSP**
|
5
|
0
|
0
|
5
|
TOTAL
|
187
(15,38%)
|
932
(76,64%)
|
97
(7,97%)
|
1.216
(100%)
|
Fonte: Cadastro de
Equipamentos Culturais – Sempla/Dipro - 2006
* Inclui as 21 bibliotecas instaladas nos Centros
Educacionais Unificados/CEUs até 31/12/2006.
**Balé da Cidade de São Paulo, Escola Municipal de
Bailado, Escola Municipal de Iniciação Artística e Orquestra Experimental de
Repertório.
Uma das características da rede de equipamentos
culturais em São Paulo, portanto, é a forte presença do setor privado como
investidor e mantenedor de grande parte dos equipamentos. Em relação às salas
de cinema e teatro, ou às galerias de arte, por exemplo, a quase totalidade dos
equipamentos é de propriedade privada. Na rede privada, destacam-se o Centro
Cultural Banco do Brasil, o Itaú Cultural, o Instituto Moreira Salles, o
Instituto Tomie Ohtake e a Rede Sesc São Paulo. O que nos chama a atenção
é que são majoritariamente instituições culturais vinculadas ao capital
financeiro que associaram suas imagens a “mecenas culturais”, “protetores” e
incentivadores da cultura. Mas ao contrário essas instituições desenvolveram-se
às custas de polpudas “renúncias fiscais” concedidas pelos governos federal,
estadual e municipal, especialmente a partir da década de 1990. A rede de
equipamentos dessas instituições culturais concentra-se em salas de cinema,
teatro e espetáculos musicais, galerias de arte e pesquisas culturais, além de
auditórios para palestras e conferências. Em todos os casos articulam-se em
excelentes espaços arquitetônicos, multifuncionais, que permitem eventos
artísticos e culturais simultâneos.
Além desses espaços privados das instituições financeiras
culturais, existe um conjunto de galerias de arte particulares com
espaços para mostras e exposições que movimentam significativo mercado de
arte. Alguns bairros concentram a maior parte dessas galerias, especialmente
aqueles situados na subprefeitura de Pinheiros, como Jardins, Vila Madalena e
Itaim-Bibi. A subprefeitura Sé também se destaca como área de localização
privilegiada para as galerias de arte, notadamente os bairros da Consolação,
Bela Vista e Santa Cecília. Nas demais áreas da cidade a presença desses
equipamentos é muito dispersa, sendo praticamente ausente em bairros
periféricos.
Deve-se considerar que a
concentração apontada de equipamentos culturais no setor privado (76,64%) em
relação ao setor público (33,36%) desdobra-se em outro grave problema de
distorção cultural. A distribuição espacial dos equipamentos culturais
inversamente relaciona-se à distribuição social da classe trabalhadora nas
regiões periféricas da cidade. Ou seja, os equipamentos vão escasseando na
medida em que se distancia geograficamente do centro da cidade, praticamente
inexistindo onde se concentra demograficamente a maioria da população
trabalhadora paulistana. A população que literalmente faz pulsar 24 horas por
dia a “São Paulo que não pode parar”, tem reduzido acesso à produção cultural
em suas regiões de moradia!!
Na tabela abaixo é
possível verificarmos a concentração de equipamentos culturais em regiões
centrais da Cidade. É importante considerar que, mesmo nas regiões centrais
onde se concentram os equipamentos culturais, ainda assim esses são em número
baixo se considerarmos as populações dessas regiões. Observa-se também que
existem regiões como a subprefeitura de Parelheiros, Ermelino Matarazzo,Cidade
Ademar, entre outras, onde não existe nenhum Centro ou Casa Cultural, cinema ou
teatro.
Relação entre população e distribuição de equipamentos culturais nas
subprefeituras - 2010
SUBPREFEITURAS
|
População
Município
|
Centros Culturais ou
casas
de cultura
|
Cinema
|
Teatro
|
|||||||||||
Total
|
E
|
F
|
P
|
Total
|
M
|
E
|
F
|
P
|
Total
|
M
|
E
|
P
|
|||
Município SP
|
11.253.503
|
90
|
25
|
18
|
1
|
46
|
332
|
3
|
1
|
1
|
327
|
246
|
18
|
18
|
210
|
Sé
|
431.106
|
33
|
3
|
8
|
1
|
21
|
53
|
2
|
-
|
-
|
51
|
131
|
8
|
13
|
110
|
Pinheiros
|
289.743
|
14
|
14
|
51
|
51
|
30
|
1
|
1
|
28
|
||||||
Vila Mariana
|
344.632
|
5
|
2
|
3
|
19
|
1
|
18
|
12
|
1
|
11
|
|||||
Lapa
|
305.526
|
6
|
2
|
2
|
2
|
22
|
22
|
24
|
1
|
2
|
21
|
||||
Santo Amaro
|
238.025
|
5
|
3
|
2
|
41
|
41
|
7
|
2
|
5
|
||||||
Itaquera
|
523.848
|
2
|
1
|
1
|
24
|
24
|
1
|
1
|
|||||||
M Boi Mirim
|
563.305
|
3
|
2
|
1
|
-
|
-
|
-
|
-
|
-
|
-
|
-
|
-
|
-
|
||
Itaim Paulista
|
373.127
|
2
|
2
|
2
|
2
|
-
|
-
|
-
|
-
|
||||||
Moóca
|
343.980
|
2
|
1
|
1
|
25
|
25
|
13
|
1
|
12
|
||||||
Jabaquara
|
223.780
|
2
|
1
|
1
|
-
|
-
|
2
|
2
|
|||||||
Butantã
|
428.217
|
3
|
1
|
2
|
13
|
1
|
12
|
3
|
2
|
1
|
|||||
Ipiranga
|
463.804
|
1
|
1
|
9
|
1
|
8
|
3
|
3
|
|||||||
Capela do Socorro
|
594.930
|
1
|
1
|
4
|
4
|
2
|
2
|
||||||||
Freguesia/ Brasilândia
|
407.245
|
1
|
1
|
-
|
-
|
-
|
-
|
-
|
-
|
-
|
-
|
-
|
|||
São Miguel
|
369.496
|
1
|
1
|
-
|
-
|
-
|
-
|
-
|
-
|
-
|
-
|
-
|
|||
Penha
|
474.659
|
1
|
8
|
8
|
4
|
2
|
|||||||||
Aricanduva
|
267.702
|
1
|
1
|
9
|
9
|
4
|
1
|
3
|
|||||||
Casa Verde/
Cachoeirinha
|
309.376
|
1
|
1
|
-
|
-
|
-
|
-
|
-
|
-
|
-
|
-
|
-
|
|||
Parelheiros
|
13.441
|
-
|
-
|
-
|
-
|
-
|
-
|
-
|
-
|
-
|
|||||
Ermelino Matarazzo
|
207.509
|
-
|
-
|
-
|
-
|
-
|
-
|
-
|
-
|
-
|
|||||
Pirituba
|
437.592
|
1
|
1
|
-
|
-
|
-
|
-
|
-
|
-
|
-
|
-
|
-
|
|||
Campo Limpo
|
607.105
|
1
|
1
|
23
|
23
|
1
|
1
|
||||||||
São Mateus
|
426.794
|
-
|
-
|
-
|
-
|
-
|
-
|
-
|
-
|
-
|
|||||
Vila Maria/ Vila
Guilher
|
297.713
|
11
|
11
|
1
|
1
|
||||||||||
Cidade Tiradentes
|
211.501
|
3
|
1
|
2
|
-
|
-
|
-
|
-
|
-
|
1
|
1
|
||||
Jaçanã/ Tremembé
|
291.867
|
1
|
1
|
-
|
-
|
-
|
-
|
-
|
1
|
1
|
|||||
Perus
|
146.046
|
-
|
-
|
-
|
-
|
-
|
-
|
-
|
-
|
-
|
|||||
Santana/ Tucuruvi
|
324.815
|
9
|
9
|
6
|
1
|
5
|
|||||||||
Vila Prudente/
Sapopemba
|
531.113
|
10
|
10
|
-
|
-
|
-
|
-
|
||||||||
Cidade Ademar
|
410.998
|
-
|
-
|
-
|
-
|
-
|
-
|
-
|
-
|
-
|
|||||
Guianazes
|
268.508
|
-
|
-
|
-
|
-
|
-
|
-
|
-
|
-
|
-
|
Fonte: Dados da
Prefeitura Municipal e elaboração própria.
M = Municipal / E= Estadual / F= Federal/ P= Particular
Algumas considerações são importantes sobre a
tabela anteriormente apresentada. As informações que foram possíveis
estabelecer relações foram elaboradas em 2010 por meio de diversos instrumentos
e fontes pela Prefeitura do Município. De qualquer maneira, a defasagem de dois
anos (2010-2012) não modificam substancialmente os dados apresentados, nem em
termos demográficos ou sobre os equipamentos culturais. Também é
importante termos presentes que o agrupamento das informações em torno das 31
subprefeituras não nos pode deixar de esquecer que existe inclusive em cada
subprefeitura diferenças e desigualdades também acentuadas, em termos de
equipamentos no caso das regiões que mantêm algum equipamento.
O setor público tem maior peso quando se trata de
bibliotecas ou centros culturais. Os dados informam sobre a distribuição no
território municipal do conjunto de equipamentos.
Dois tipos de equipamentos culturais, segundo
a função que desempenham no âmbito da cultura, podemos identificar: aqueles
destinados sobretudo ao entretenimento, como salas de cinema, de teatro, casas
de shows, salas de concertos; e aqueles voltados para atividades de fruição
estética e conhecimento, como galerias de arte, centros culturais e museus. O
padrão de maior dispersão espacial dos primeiros está provavelmente associado à
existência de grande número de salas de cinema localizadas nos shopping
centers, hoje presentes em grande número de regiões da cidade, e à localização
de grandes salas de espetáculos, que têm sido instaladas fora do eixo
tradicional centro/quadrante sudoeste do município.
A rede municipal de Centros Educacionais Unificados
– CEUs introduziu uma alteração significativa no padrão de oferta de salas de
teatro e cinema na cidade, pois moradores de bairros da periferia passaram a
ter a possibilidade de freqüentar espetáculos até então disponíveis apenas nos bairros
centrais ou naqueles de padrão socioeconômico mais elevado. Os CEUs são os
equipamentos públicos que mais se estendem às regiões extremas do município,
cujos moradores, em sua maioria, integram os segmentos caracterizados como de
baixa renda. De qualquer maneira, como nitidamente verificamos na tabela acima,
esses Centros Educacionais são pouquíssimos, inclusive inexistindo em várias
regiões periféricas densamente povoada, como Guaianazes, Cidade Ademar... Os
CEUS podem ter papel estratégico como polos de apoio e difusão de
atividades culturais, inclusive com a ampliação de sua malha.
As Casas de Cultura também são importantes
equipamentos públicos municipais, hoje com 19 unidades. São espaços para
manifestações artísticas diversas e sua dispersão no território permite que
mesmo os bairros distantes da área central da cidade tenham equipamentos desse
tipo à disposição de sua população. No entanto, ainda são as regiões centro e
sudoeste que concentram os centros culturais de maior porte e com melhor estrutura
para sediar eventos artístico-culturais voltados para públicos mais amplos.
Entre estes podem ser citados, na rede pública, o Centro Cultural São Paulo, o
pavilhão Lucas Nogueira Garcez, mais conhecido como OCA, no Ibirapuera, o
Complexo da Estação Júlio Prestes, o Memorial da América Latina, a Galeria
Olido e a Casa das Rosas.
Outro aspecto importante a evidenciar nas
informações da tabela acima é a questão do cinema. As salas de exibição
existiam entre a década de 1930 e 1960 espalhadas por várias regiões que até
então eram caracterizadas como operárias. Existiam 27 salas espalhadas pelos
distritos de São Paulo: 08 no Centro, 06 no Brás, 02 no Bom Retiro, 01 na
Moóca, 01 na Vila Mariana. A localização desses cinemas concentrava-se em
regiões de características operárias na época. Na década de 1990, a cidade
conheceu uma transformação importante na localização de suas salas de cinema.
Salas que tinham grande capacidade de público, localizadas em bairros
diversos e também no centro da cidade, foram substituídas por uma
multiplicidade de salas menores localizadas, preferencialmente, dentro de
centros comerciais. De acordo com os dados de 2010, das 332 salas de cinema na
cidade, apenas 5 salas são públicas (municipal, estadual e federal), e a grande
maioria é particular: 299 localizam-se em shopping centers e 28 são “cinema de
rua”.
São Paulo dispõe de importantes acervos artísticos,
históricos, etnográficos e culturais, preservados por um conjunto variado de
museus, mantidos tanto pelo poder público como por iniciativa privada ou ainda
por fundações (são 110 museus relacionados neste trabalho). Destacam-se pela
qualidade das coleções que abrigam e pelo volume de público que recebem, o
Museu Paulista (Museu do Ipiranga), o Museu de Arte de São Paulo (MASP), o
Museu da Língua Portuguesa (Estação da Luz), a Pinacoteca do Estado (Estação da
Luz), o Memorial de Resistência (Estação da Luz), o Museu de Arte Contemporânea
(MAC), o Museu de Arte Moderna (MAM) e o Memorial do Imigrante. No campus da
Universidade de São Paulo, no bairro do Butantã, estão localizados vários
museus com acervos técnicos especializados.
O autoritarismo cultural da Gestão Kassab:
prioridade aos interesses empresariais
Nas duas gestões do atual prefeito foram
ampliadas as tradicionais políticas culturais para a cidade. A concepção chave
que se desenvolve na área Cultural é a que se articula como Cidade Turística –
cultural e de negócios-, geradora de megaeventos voltada para a classe média
local e população flutuante (turistas e executivos) e que dinamiza uma rede de
serviços e negócios cada dia mais sofisticada. Não mais está voltada somente
para as necessidades culturais de uma elite paulistana, concentradas nas
regiões nobres da cidade, mas também se encontra orientada para executivos e
turistas de diversas regiões do país e do mundo.
A juventude e a classe trabalhadora para ter acesso
a tal produção exige-lhe deslocar-se nos finais de semana, pagando passagens de
ônibus e metrôs caras e ingressos caros de cinema, teatro e dança. A concepção
da Administração Municipal e a dinâmica imposta pela Secretaria Municipal de
Cultura impedem o desenvolvimento da área para a maioria da população porque
prioriza os megaeventos empresariais, concentra os equipamentos culturais nas
regiões nobres, prioriza incentivos culturais por meio da renúncia fiscal.
Junto com isso é marca dessa gestão o caráter autoritário visto que não discute
nem abre nenhum espaço de diálogo com os movimentos culturais na cidade.
Para demonstrarmos a nossa afirmação sobre a
concepção cultural-turística da Administração Municipal, utilizamos as
informações da própria Secretaria Municipal de Planejamento (Sempla). A
Prefeitura em parceria com outras entidades promove mais de 300 eventos anuais,
dedicados aos mais variados temas. Dentre os eventos culturais, estão os
seguintes: Virada Cultural, Mostra Internacional de Cinema, vários festivais
temáticos de cinema, Parada do Orgulho GLBT, festas populares e
religiosas, como as tradicionais Nossa Senhora da Achiropita, no Bixiga, e a
Festa de São Vito, no Brás. Dentre os classificados na categoria de lazer
e cultura, aparecem, entre outros, a Maratona de São Paulo, a Corrida
Internacional de São Silvestre, o GP Brasil de Fórmula 1, a Copa Paulista de
Fórmula Truck, os desfiles e festividades de Carnaval. Sob a classificação de
indústria criativa finalmente são lembrados: São Paulo Fashion Week; Couromoda
– Feira Internacional de Calçados e Artigos Esportivos; GeoBrasil – Feira e
Congresso Internacional de Geoinformação, ISA Show South America – Feira
Internacional de Automação; Craft Design; Bienal Internacional de Arquitetura;
Festa Internacional da Indústria do Cinema e do Audiovisual.
Esses megaeventos, alguns dos quais se misturam com
a história da Cidade, estão diretamente associados ao turismo cultural e ao
turismo de negócios. Orientam-se pela concepção de cidade turística,
associada diretamente aos serviços de hotelaria, gastronomia, casas de
espetáculos, transportes fretados e negócios. Essa área do turismo cultural e de
negócios hoje é geradora de número considerável de empregos. Esse argumento é o
principal utilizado pela Administração Municipal no intuito de neutralizar
qualquer crítica realizada a essa concepção de cidade. Na realidade é
necessário evidenciar que, de fato, essa área cultural turística envolve-se
diretamente com a alta lucratividade do setor e com baixos e defasados
salários dos trabalhadores da área.
A maior parte dos eventos é realizada sob a
iniciativa privada, o que inviabiliza o acesso da maior parte da população,
dado o valor dos ingressos. Contudo, mesmo aquelas iniciativas de caráter
gratuito também são pouco acessíveis, porque são realizadas em áreas distantes
da periferia e o custo do transporte público pesa no bolso do trabalhador.
Basta lembrar que as principais áreas de exposições e eventos no município
concentram-se na região Norte: o Parque Anhembi, o Sambódromo, o Expo Center
Norte; Centro: o Pavilhão da Bienal, Av. Paulista e a Praça da Sé; ou Sul: o
Centro de Exposições Imigrantes; enquanto boa parte da população trabalhadora
mora na região Leste e Sul.
As formas de resistência cultural ampliam-se
na Cidade
Existe uma representação
social (ideológica) sobre as periferias de São Paulo e a população trabalhadora
dessas regiões. Os meios de comunicação de massa prioritariamente (unicamente)
destacam as imagens de violência, insegurança, drogas e grupos de narcotráfico.
Transformam a imagem das periferias como imagem de faroeste americano. Duas
dimensões não são apresentadas nessas representações. Primeira. De
fato, a violência existente é decorrência da própria lógica capitalista de
exclusão social e política, que tem como eixo principal a exploração. Ou seja,
essa é a violência original que se desdobra em tantas outras violências sociais.
É a violência do Capital contra o Trabalho. Segunda. Existe ainda assim
inúmeras formas de resistência cultural por meio da ação cultural e educativa
de milhares de professores das escolas públicas, de inúmeros artistas, Saraus,
hip-hop, pagodes e tantas outras manifestações artísticas, de caráter
popular, que são produzidas na Cidade.
Nem tudo é violência, drogas ou pregações da
Universal Reino de Deus, como se cristalizou na imagem sobre as periferias de
São Paulo. Existem também resistências culturais que precisam ser
apoiadas e estimuladas que se espraiam difusamente nas ruas, vilas em grupos
alternativos e emergentes. Uma criativa atividade humana aflora cultivada em
emergentes movimentos culturais: organizações de jovens na periferia da cidade,
grupos de teatro, de música, de poesia, arte na rua, eventos
artístico-culturais. Por toda a cidade, pulsa vitalidade cultural, que
constitui uma característica da própria metrópole paulistana.
Mas existe grande distância entre esse potencial
cultural e a orientação das políticas públicas culturais desenvolvidas na
Cidade.
Movimentos culturais que questionam a cultura de
mercado e questionam também esse mundo desumanizado pela alienação gerada. Por
que ingressos tão caros? Por que as atividades artístico-culturais são tão
concentradas nas áreas consideradas “nobres” da Cidade? Por que são
privilegiados com verbas da prefeitura apenas grupos e espetáculos que estão
voltados para as “elites paulistanas”? Por que as verbas e equipamentos
culturais não são descentralizados para atender as regiões periféricas?
Há anos, registram-se formas de resistência
no centro da cidade e na periferia. O centro recebe sistematicamente artistas
de rua que apresentam para o público suas performances. São estátuas vivas,
palhaços, saxofonistas, guitarristas e malabaristas. Na periferia, espalham-se
os saraus, núcleos de resistência inicialmente ligados à cultura do hip-hop e
atualmente congregando artistas populares, que apontam novos caminhos, de arte
experimental ou mesmo alternativa. Segundo Robinson Padial (Binho) em
entrevista ao Brasil de Fato, os saraus são espaços onde a população
pode se formar, se encontrar, participar e não se omitir. Em suas palavras: “No
sarau você está livre e de frente pra todo mundo com sua poesia. Acredito que
isso ajuda a nos fortalecer como ser humano”. Essas iniciativas não recebem
qualquer apoio da esfera pública, muito menos de mídia, porque, em última
instância, não gera retorno financeiro nem interessa ao capital privado.
Além disso, essas formas embrionárias de
resistência popular vêm sendo objeto da mais impiedosa ação repressiva do
Estado. Iniciada em dezembro de 2011, a “Operação Delegada”, um convênio entre
a Polícia Militar, a Prefeitura Municipal e o governo do Estado de São Paulo, cujo
objetivo principal é coibir e enquadrar o comércio ambulante ilegal nas
principais vias de circulação vem perseguindo e impedindo a atuação dos
artistas de rua.
Os saraus, por sua vez, são alvos da mesma
prática repressiva. Sob a alegação de falta de alvará de funcionamento, a
Prefeitura fechou e multou saraus conhecidos, como o do Binho, em Campo Limpo,
o Bar Lua Nova, no Bixiga e o Sarau da Poesia na Brasa, em Brasilândia.
Nossas propostas na área cultural
A Cultura
em nosso país, e claro, na cidade de São Paulo, está nas mãos da iniciativa
privada; são os grandes bancos e as grandes empresas que decidem o que deve ser
produzido em cinema, teatro, música, dança. No centro e nos bairros mais ricos
se concentram os museus, os teatros, as galerias de arte. A prefeitura se
dedica a fazer megaeventos superfaturados, que vão e vêm sem deixar
nada de perene para a população. É urgente democratizar o acesso
à Cultura, e para isso é preciso antes tirá-la das mãos do capital
privado, com políticas culturais que enfrentem a mercantilização da cultura.
Desenvolver políticas culturais que priorizem
os trabalhadores e a juventude com o objetivo de torná-los protagonistas
de ações culturais no espaço da cidade por meio da constituição de polos
culturais nas regiões periféricas do município, como também através da
manutenção e ampliação dos equipamentos culturais existentes nas áreas
centrais.
A Cultura deve ser considerada um serviço
público, como saúde, educação, transporte, etc. e financiada pelo Estado de
forma ampla, com orçamento próprio e compatível.
A área da Cultura deve ter uma ampliação
substancial e fixada no orçamento do município de São Paulo, possibilitando desta maneira a execução de
políticas culturais mais amplas voltadas para a classe trabalhadora e a
juventude.
Exigir do governo estadual e federal recursos
para área cultural compatíveis com as dimensões demográficas e recursos
extraídos dos impostos da população.
Fim imediato da política de “renúncia fiscal”
realizada pela Prefeitura Municipal de São Paulo e que isenta empresas e o
setor privado por meio de abatimento. Esses recursos orçamentários são
recursos que se originam dos trabalhadores, por meio de inúmeros impostos, e
que devem retornar a eles através também da cultura. Chega de recursos
orçamentários serem desviados para o enriquecimento de “empresários da cultura”
e para o “merchandising” das empresas e instituições financeiras.
O Municipal é nosso! Não à privatização do Teatro Municipal de
São Paulo.
Fomento à produção cultural no município,
tendo como eixo central o aporte financeiro público com a definição de leis de
fomento setoriais para Cinema, Dança e expressões culturais emergentes.
Pela valorização e ampliação
da Lei de Fomento ao Teatro. Em
São Paulo existem cerca de 400 grupos teatrais ativos, mas apenas 13 são
beneficiados. Os outros se debatem sem dinheiro para sobreviverem. A
Lei de Fomento ao teatro foi elaborada pelos artistas de teatro e vem
ajudando este setor a avançar muito. Por isso, estamos junto a todos os
artistas de teatro, defendendo essa lei, mas exigindo sua ampliação para
que todos os grupos sejam beneficiados.
Educação artística em todas
as escolas municipais.Toda criança tem de sair da escola formada em pelo
menos um instrumento musical ou uma habilitação artística, seja nas artes
cênicas, visuais ou pictóricas.
Constituição e manutenção das já existentes
Escolas de Arte Municipais, nos centros históricos como também ampliação
para as diversas regiões da Cidade, que possibilitem formação e
capacitação sistemática, metódica e técnica em distintas áreas artísticas já
consagradas como também em áreas artísticas emergentes.
Basta de perseguição política que Kassab
realiza contra os grupos artísticos e culturais no Município, ao
exemplo dos Saraus Paulistanos, hip-hop, rock garagem, os artistas de rua e
diversas manifestações populares.
Valorização e ampliação dos CEUs e de toda rede de equipamentos
culturais. Ampliação dessas unidades para as regiões periféricas. Controle
das verbas e de sua administração por parte da comunidade. Desenvolver a ocupação e manutenção de
espaços públicos tornando-os efetivamente equipamentos culturais para
produção, criação, discussão e fruição: praças, bibliotecas, centros
esportivos, casas de cultura, escolas, universidades, creches, prédios
abandonados e do patrimônio histórico.
Ampliar o número de funcionários por concurso
público e qualificá-los para a ação pública no campo da cultura. Que possibilitem a gestão e fluidez
das atividades culturais estabelecidas nas regiões de São Paulo.
Estímulo à atividade cultural realizada nas
regiões da Cidade, desde às culturas tradicionais até as culturas emergentes e
contemporâneas, com destaque aos Festivais de Cultura e
atividades de Cineclubismo.
Preservação das obras artísticas dos parques
e jardins da cidade.
“Revitalização” urbanística do centro
histórico de São Paulo, considerando centralmente os modos de vida da população
trabalhadora local que mora e trabalha nas regiões centrais da cidade. Como também as formas de ocupação e
aproveitamento dos prédios e espaços públicos abandonados na região. Repensar o
patrimônio público local, revitalização do centro de São Paulo não é
“higienização” e sim uma questão social e cultural! Não aos interesses
especulativos imobiliários e comerciais envolvidos! Que sejam expropriados pelo
Estado os prédios que há décadas não pagam IPTU!
Constituição do Conselho Municipal de Cultura,
estruturado por representantes de Conselhos Locais de Cultura, com a
participação de grupos organizados da população, produtores culturais e
representações de trabalhadores, com a tarefa de manter a execução e
acompanhamento do Plano Municipal de Cultura.
Congresso Municipal de Cultura
como instância deliberativa, reunindo os vários setores e movimentos culturais
para diagnosticar e constituir uma proposta de política cultural municipal
com diretrizes, orçamento destinados para as áreas e regiões, equipamentos
culturais, possibilitando a constituição de polos culturais nas diversas
regiões da cidade. Esse congresso deve resultar de amplo debate nas regiões por
meio de assembleias de Conselhos Locais de Cultura e Conselho Municipal de
Cultura.
Toda liberdade em arte! Liberdade total a todas as correntes artísticas,
com apoio financeiro e espaço para que possam se manifestar!
(Núcleo
de Cultura PSTU da Regional São Paulo)
03/09/2012
[4] Foram incluídos em Fundos ligados à Cultura: Fundo
Especial de Promoção de Atividades Culturais, Fundo de Preservação do
Patrimônio Histórico e Cultural, Fundo de Proteção do Patrimônio Cultural e
Ambiente Paulista, e, por fim, a Fundação Catavento, que recebeu verbas de 2007
a 2009. Em março/2009, o Estado de São Paulo (Secretaria da Cultura e da
Educação) assume a condução dos trabalhos do Catavento.
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